A CRIAÇÃO DO JUDÔ
O JUDÔ teve sua origem quando o Professor Jigoro
Kano procurou sistematizar as técnicas de uma arte marcial japonesa, conhecida
como "Jujitsu" e fundamentar sua prática em princípios filosóficos
bem definidos, a fim de torná-la um meio eficaz para o aprimoramento do físico,
do intelecto e do caráter, num processo de aperfeiçoamento do ser humano.
Nesse contexto, invariavelmente surge a questão:
Porque chamar de judô ao invés de Jujitsu como já era conhecida a arte
marcial?
Para poder entender a razão e a dimensão
pretendida por essa mudança, deve-se buscar a interpretação no processo histórico
que envolve o cultivo do "Budo " nas antigas formas de artes marciais
do Japão. Segundo T.Watariabe (1967): "Budo é uma palavra característica
do povo japonês e sua origem se encontra nas formas de auto-proteção que
permitiram a sobrevivência dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana
através do tempo".
Essas formas de auto-proteção, que constituíram
as artes marciais, nasceram da qualidade de vida que o povo japonês impôs a si
próprio, diante da necessidade que tinham de se defender. Daí, então,
surgiram os indivíduos com grande habilidade e treinamento nas artes marciais,
formando uma casta de guerreiros conhecidos como "samurais", a serviço
dos senhores feudais.
Durante o período medieval japonês, do século
XIV ao XVIII, aproximadamente, as artes marciais tiveram grande importância por
seu uso militarista, apresentando evidente progresso técnico, destacando-se os
grandes talentos em todas as formas de luta pela preservação da vida,
utilizando-se de armas como sabres, lanças e outros instrumentos, bem com métodos
de combates com as mãos nuas. Ao mesmo tempo em que aprimorava o físico para
adquirir destreza na arte marcial, o "samurai" desenvolvia formas de
dominar seus próprios impulsos e controlar sua vontade, em alto grau, para
poder enfrentar as adversidades corajosamente "até a morte". Essa
filosofia de vida era a alma das artes marciais e entendiam, os samurais, que
ela só poderia ser atingida através de árduo treinamento para desenvolver o
espírito de luta - "Budo" - através da busca da serenidade, da
simplicidade e do fortalecimento do caráter, qualidades próprias da doutrina
ZEN. Um código de honra, ética e moral, o "Bushido", conhecido como
via do guerreiro, foi elaborado com forte influência do Budismo, alicerçando-se
na preservação do caráter máximo, tal como honra, determinação,
integridade, espírito de fé, imparcialidade, lealdade e obediência;
preconizando uma forma de viver pela conduta de cavalheirismo, respeito,
bondade, desprezo pela dor e sofrimento.
Como uma das formas de arte marcial surgiu o
Jujitsu, luta corporal sem uso de armas, não se tendo porém, registro preciso
de sua origem. Algumas citações encontradas no "Nihon Shoki", que é
uma crônica antiga do Japão, fazem referência ao início do Sumô que teria
alguma relação com o Jujitsu naqueles tempos. Houve, então, evolução desses
dois tipos de lutas corporais, em que o Sumô estabeleceu-se à base do uso da
força e do peso, sendo orientado no sentido do espetáculo e o Jujitsu na base
da habilidade, da astúcia e da ética, foi consagrado como combate real.
A prática do Jujitsu levou à criação de inúmeras
escolas, cujas características eram a especialização dos professores em
determinadas técnicas, adotando estilos próprios e secretos, cujos princípios
de ensinamento se apoiavam no conhecido axioma empregado pelos
"samurais". "Na suavidade está a força"( Ju = suavidade;
Jitsu = arte ou prática). Dentre essas escolas, duas delas foram especialmente
estudadas pelo Professor Jigoro Kano, "Kito-Ruy"e "Tenshinshinyo-Ryu".
A abertura dos portos japoneses em 1865, provocou
intensas transformações do ponto de vista político-social, marcando a era
"Meiji", quando foi abolido o sistema feudal, com rejeição da
cultura e das instituições antiquadas, introduzindo-se os conhecimentos dos países
ocidentais, ocorrendo acentuado declínio das artes marciais, em completo desuso
no país. O Jujitsu não foi exceção, pois as escolas ficaram privadas das
subvenções dos clãs e, ainda a modernização das forças armadas levou essa
arte marcial a ser considerada parte do passado e em total decadência.
Jigoro Kano, um jovem de físico franzino,
graduado em filosofia pela Universidade Imperial de Tóquio, tendo conhecimento
do Jujitsu, observou que suas técnicas poderiam ter valor educativo na preparação
dos jovens, no sentido de oferecer ao indivíduo oportunidade de aprimoramento
do seu autodomínio para superar a própria limitação. Assim, passou a ter
como meta transformar aquela tradicional arte marcial num esporte que pudesse
trazer benefícios para o homem, ao invés de utilizá-la como arma de defesa
pessoal simplesmente.
Aprofundou seus estudos, pesquisando e analisando
as técnicas conhecidas; o Professor Kano organizou-as de forma a constituir um
sistema adequado aos métodos educacionais, como uma disciplina de educação Física,
evitando as ações que pudessem ser lesivas ou prejudiciais à sua prática por
qualquer leigo. Com esse intuito, em 1882 fundou sua própria escola e, para
distinguir, de maneira evidente, das formas que identificavam o antigo Jujitsu,
denominou de JUDÔ KODOKAN, destinada à formação e preparação integral do
homem através das atividades físicas de luta corporal e do aperfeiçoamento
moral, sustentada pelos princípios filosóficos e exaltação do caráter, que
era a essência do espírito marcial dos samurais, o "Budo".
Jigoro kano transformou a arte marcial do antigo
Jujitsu no "caminho da suavidade" em que através do treinamento dos métodos
de ataque e defesa pode–se adquirir qualidades mais favoráveis à vida do
homem, sob três aspectos: condicionamento físico, espírito de luta e atitude
moral autêntica.
A primeira qualidade, condições físicas, é
obtida pela prática do esporte que exige esforço físico extenuante, de forma
ordenada e metódica para proporcionar um corpo forte e saudável. Pois todas as
funções corporais tornam-se melhor adaptadas pela atividade que promove
aumento de força muscular geral, da resistência, da coordenação, da
agilidade e do equilíbrio. Devido ao treinamento rigoroso, também, o indivíduo
tende a tomar mais cuidado com a sua saúde, prevenindo doenças e condicionando
a reagir reflexivamente para evitar acidentes.
A segunda qualidade, espírito de luta, significa
que pela prática das técnicas do Judô e pela incorporação dos princípios
filosóficos durante os treinamentos, o indivíduo se torna mentalmente,
condicionado a proteger seu próprio corpo em circunstâncias difíceis,
defendendo-se quando ameaçado perigosamente. Com o treinamento, adquire
autoconfiança e autocontrole, não para fugir do perigo, mas para adotar
medidas e iniciativas em qualquer situação. Em outras palavras, o Judô é uma
arte para a auto-proteção total.
Por último, a atitude moral autêntica é
concebida através do rigor do treinamento, que induz a humildade social, a
perseverança, a tolerância, a cooperação, a generosidade, o respeito, a
coragem, a compostura e a cortesia. As experiências obtidas durante o
treinamento, por tentativa e erro e pela aplicação das regras de luta, impõem
mudanças de atitudes, elevando o poder mental da imaginação, redobrando a
atenção e a observação e firmando a determinação. Quando falhas do
conhecimento social e de moralidade constituem-se em problemas, um método de
ensinar a cortesia entre as pessoas e melhorar a atitude social torna-se
importante e, por isso, o Judô, desempenha papel relevante nesse contexto, como
instrumento de formar e lapidar os verdadeiros caracteres morais do ser humano.
Podemos resumir uma linha de tempo sobre Jigoro Kano como segue:
18/10/1860 - Data de nascimento
1877 - Ingressa na Universidade Imperial de Tóquio Torna-se aluno do Mestre
Fukuda (Jujitsu)
1878 - Funda o primeiro clube de basebol do Japão
1881 - Licenciado em letras Torna-se aluno da escola de Kito (Jujitsu),
1882 - Forma-se em Ciências Estéticas e Morais Em fevereiro, funda a sua
Escola da qual deu o nome Judô Kodokan
- Em agosto é nomeado professor no Colégio
dos Nobres
1884 - Nomeado adido do Palácio Imperial
1886 - Nomeado vice-presidente do Colégio dos Nobres
1889 - Viaja à Europa como Adido da Casa Imperial
1899 - Torna-se Presidente do Butokukai (Centro de estudo de artes militares)
1907 - Elabora os três primeiros Katas de Judô
1909 - Torna-se membro do Comitê Olímpico Internacional, como primeiro
representante do Japão
1911 - Eleito presidente da Federação Desportiva do Japão
1922 - Passa a Ter assento na Câmara Alta do Parlamento Japonês
1924 - Nomeado Professor Honorário da Escola Normal Superior de Tóquio
1928 - Participa da Assembléia Geral dos Jogos Olímpicos de Amsterdã
04/05/1938 - Morre a bordo do navio que transportava ao Cairo onde se realizava
a Assembléia geral do Comitê Internacional dos Jogos Olímpicos.